Se insistirmos nos mesmos erros jamais vamos explorar o potencial econômico trazido pela tecnologia
*Por Rodolfo Fücher
Em 2019, nos preparativos da minha viagem a Israel, eu tive a oportunidade de conhecer o Uri Levine, um dos fundadores do Waze, aliás foi dele a ideia, após ficar preso no trânsito de Tel Aviv. Durante o encontro, ao responder uma pergunta sobre o Brasil, ele surpreendeu a todos, comentando que o Brasil tem muitas oportunidades, porém ele recomendava que as startups por ele investidas não faturem localmente, devido à complexidade tributária, potencial risco para a operação. A mesma percepção encontrei durante uma reunião com o fundo Maverick em Israel, o qual desistiu de trazer uma startup israelense para o Brasil, após receberem três visões diferentes de três escritórios tributaristas brasileiros… certamente se constassem um quarto, haveria uma quarta recomendação.
Esse é o retrato do insano ambiente regulatório que enfrentamos, e que espanta investidores, empreendedores. Todos vivemos na esperança de que a prometida reforma tributária venha alterar completamente esse árido ambiente brasileiro, onde até o passado é incerto, como falou Pedro Malan, ex-Ministro da Fazenda, nos anos 90.
Infelizmente, a proposta de simplificação em um único imposto passou a ser uma perfeita miragem. A Emenda Constitucional nº 132, sancionada pelo presidente em dezembro de 2023, conhecida como Reforma Tributária, substitui os cinco tributos existentes hoje (ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS) por pelo menos três: CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e o novo Imposto Seletivo, também conhecido como “imposto do pecado”.
O texto ainda estabelece um regime diferenciado em relação às regras gerais que preveem, entre outros pontos, a alíquota zero ou com redução de 60% da alíquota a ser definida do IBS e CBS, para setores considerados estratégicos para o país. Porém, o setor de tecnologia da informação, insumo da transformação digital que estamos vivenciando, considerado mundialmente estratégico para competitividade, e desenvolvimento de qualquer sociedade, ficou de fora desse regime especial.
Quando comparamos o Brasil com outros países, percebemos que possivelmente estamos indo na direção errada. Vamos usar a China como exemplo, considerado o segundo pais com melhor ecossistema de inovação. Por lá, um recente estudo desenvolvido pela PWC, intitulado “Global Artificial Intelligence Study: Exploiting the AI Revolution” (Estudo Global de Inteligência Artificial: Explorando a Revolução da IA), prevê que o uso de IA irá gerar US$ 15,7 trilhões adicionais para a economia global até 2030 – a China será simplesmente responsável por US$ 7 trilhões deste total. Por lá, o segmento de TI conta com um expressivo desconto do IVA na ordem de 54%, ficando em 6%, conforme destacado pelo Professor Aristóteles Moreira Filho, em seu artigo “A Reforma Tributária Da Tecnologia Da Informação – Por Um Tratamento Adequado A Um Setor Estratégico”.
Não é à toa que os chineses estão liderando a inovação tecnológica. E o Brasil? Bem, deveremos continuar na lanterna da inovação. Estimativas apontam que o IVA brasileiro deverá ficar entre os mais altos do mundo, chegando a 27%.
Aqui no Brasil, muitos esquecem o quanto é estratégico e vital assegurar que a tecnologia, principalmente a tecnologia da informação, seja acessível para a sociedade brasileira. Única forma de garantir a competitividade da nossa economia, a famosa neoindustrialização, tão almejada pelo governo brasileiro. Dificilmente será alcançada se continuarmos onerando-a com a reforma tributária.
Diante de toda essa complexidade, a minha maior preocupação continua sendo em relação ao impacto que o texto da reforma tributária sancionado trará, especialmente para as micros e pequenas empresas de tecnologia, software e serviços, que representam a maior parte do nosso mercado – cerca de 93%. Estas empresas são as mais “sensíveis” a qualquer mudança, principalmente porque a maioria estão enquadradas no Simples, a qual passará por um aumento na complexidade de sua contabilidade devido ao tratamento da compensação tributária, acarretando também um impacto direto no seu fluxo de caixa, e colocando em dúvida a capacidade de sobrevivência. Outro ponto que chama a atenção no texto da emenda constitucional 132 é a responsabilidade da empresa que está adquirindo um produto terá – ela precisará garantir que seu fornecedor quitou adequadamente os tributos, para que tenha o benefício da compensação tributária proposta.
Ninguém discute a importância de uma reforma tributária, mas, será que não vale olhar para o exemplo da China, e incluirmos o setor de TI entre os segmentos estratégicos para o país, com o desconto de 60% da alíquota? No final, quem sofrerá com o aumento do imposto será o cliente, principalmente o usuário final. Será que ninguém se preocupa em explorar o potencial que a tecnologia traz para a competitividade do Brasil, e tirar o país da ridícula posição que se encontra?
Por fim, será que ninguém se preocupa em dar uma esperança aos micros e pequenos empresários, que são os motores da nossa (na verdade, de qualquer) sociedade? Tudo indica que não estamos caminhando para um oásis, e sim para uma perfeita miragem
*Rodolfo Fücher é presidente do Conselho da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES).
Aviso: A opinião apresentada neste artigo é de responsabilidade de seu autor e não da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software