Por Cassio Dreyfuss, vice-presidente de Pesquisas do Gartner
No entanto, apenas recentemente apareceu uma solução. O Gartner propôs a “TI bimodal”, ou seja, implementar duas abordagens distintas para o desenvolvimento de soluções – que, por absoluta falta de marketing, foram chamadas, sem qualquer originalidade, “Modo1” e “Modo 2”. O Gartner caracteriza o novo Modo 2 de uma maneira bastante distinta do tradicional Modo 1 e as empresas devem escolher cuidadosamente a abordagem adequada para cada iniciativa.
Um verdadeiro ovo de Colombo. Primeiro, porque a ideia é óbvia em sua simplicidade; depois, porque a sua implementação, como as expedições do navegador, não tem nada de simples – e muito menos de marketing.
As empresas muitas vezes não são precisas em relação às suas expectativas para um Modo 2. Numa ponta do espectro, as empresas não dedicam a atenção e o cuidado necessários à implementação dessa nova abordagem. Por exemplo, as empresas muitas vezes pensam que porque usam metodologias ágeis já têm um Modo 2. Não têm, o Modo 1 também usa essas metodologias. O Modo 2 é muito mais que isso. É uma solução organizacional completa, que apresenta uma combinação inédita de diferentes características, e precisa ocupar um “espaço novo” na organização existente, afetando-a grandemente em vários aspectos (especialmente a área de desenvolvimento Modo 1). No outro extremo, as empresas esperam que essa abordagem seja a chave para o desenvolvimento dos seus novos modelos de negócios digitais. Não é. Uma TI Modo 2 é um componente importante nesse desenvolvimento, mas é apenas uma abordagem para desenvolvimento de soluções, não é uma estratégia.
Temos escrito bastante sobre o tema, caracterizando a diferença entre as duas abordagens (veja um resumo na tabela abaixo). Modo 1 é a abordagem tradicional, que todas as empresas usam. Ela é apropriada para soluções evolutivas e previsíveis, muitas vezes desenvolvidas por fases planejadas que se estendem no tempo. Ela visa atingir a excelência da solução. Exemplos típicos são encontrados em empresas de manufatura industrial ou de utilidades, onde o Modo 1 satisfaz a maioria das necessidades (senão todas). Modo 2, ao contrário, deve ser a abordagem escolhida para atender com agilidade e flexibilidade muitas necessidades (mas não todas) de ambientes instáveis e turbulentos, com baixo grau de previsibilidade. A abordagem visa alavancar a oportunidade da solução. Exemplos típicos estão no mercado financeiro, de seguros ou de varejo.
Abordagens Distintas para Soluções
Variável | Modo 1 | Modo 2 |
Ambiente | Estável, progresso previsível | Dinâmico, “explosões” criativas |
Metodologia | Desenvolvimento planejado e estruturado | Prototipação ágil, em ciclos de aperfeiçoamento |
Equipe | Equipes de técnicos com atribuições formais a partir de requisitos | Equipes multidisciplinares em colaboração dinâmica |
Processo | Formal, atribuição formal de tarefas, metodologias voltadas a prescrição e controle | Atribuição formal de responsabilidades, liderança contextual, monitoração constante |
Parceiros | Tradicionais | Inovadores, “digitais” |
Governança | Estrita, baseada em regras | Mais leve, “bom-que-chegue”, baseada em papeis |
Há cinquenta anos, a organização de TI tem a mesma estrutura. Não importam os nomes sofisticados de hoje; se arrancarmos os “post-its”, por baixo estarão as mesmas caixinhas: Desenvolvimento, Operação e Suporte. Em anos recentes, temos visto a fragmentação da organização de TI em vários componentes, com o objetivo de otimizar cada um de acordo com um objetivo específico. Por exemplo, aquilo que foi atribuição de um líder de projeto no passado – coleta de requisitos, desenho da solução e desenvolvimento – é agora atribuição de três papeis organizacionais diferentes: líder de relacionamento com o negócio (“business relationship manager”, ou BRM), arquitetura de aplicações e, finalmente, líder de projeto.
Pois a TI bimodal caminha exatamente nessa direção. Reconhecendo que diferentes soluções devem ser abordadas de maneira diferente, propõe o desenvolvimento de soluções de duas diferentes maneiras. Enquanto no Modo 1 o desenvolvimento ocorre em etapas sequenciais (coleta de requisitos, desenho de solução e desenvolvimento), no Modo 2 as coisas acontecem iterativamente (ciclos de aperfeiçoamento) e interativamente (grupos multidisciplinares em colaboração dinâmica). No Modo 1, os objetivos são aderência das soluções a expectativas estabelecidas das áreas de negócio, otimização no uso de tecnologias e produtividade das equipes. No modo 2, os objetivos são criatividade e experimentação nas soluções, inovação nos negócios com aplicação inédita de tecnologias e resposta rápida a uma demanda ou uma oportunidade de mercado, muitas vezes pouco definidas.
Mas se as soluções são sempre diferentes, por que não nos afastamos radicalmente do “tamanho único” e definimos abordagens diferentes para cada iniciativa, criando na verdade a “TI multimodal”? Projetos grandes e complexos em qualquer área (pense, por exemplo, no telescópio espacial Hubble) são sempre tratados como empreendimentos únicos, mas isso não seria prático nem econômico em empresas, implicando em custos e complexidade de gestão desnecessários. Entretanto, existem empresas que já trabalham com a “TI trimodal”: desenvolvimento de grandes projetos por fases, melhorias através de “releases mensais” programados (o que seria um “Modo 1,5”) e oportunidades dinâmicas. Para essas empresas, o valor para o negócio com essas três classes de solução compensa o custo e a complexidade adicionais.
Para a grande maioria das empresas, a classificação das oportunidades em duas classes de solução é o equilíbrio adequado entre eficácia das soluções contra a complexidade adicional de governança, integração e custo. O importante é ter muito claros os objetivos que queremos atingir com a fragmentação do desenvolvimento em duas classes de solução, avaliar criteriosamente o respectivo caso de negócios e implementar o modo adicional de solução com foco e disciplina – o que nos leva, finalmente, ao fator liderança. A criação de um Modo 2 é uma mudança organizacional. O sucesso de um empreendimento em direção ao novo depende de um líder que cria uma visão, compartilha essa visão com as equipes e as motiva a colaborar e enfrentar os riscos para atingir o objetivo pretendido. O sabor do sucesso é a melhor recompensa.