A ABES acaba de divulgar um manifesto no qual solicita o veto parcial do PL 317, que prevê cobrança pelo acesso aos dados públicos por contrariedade ao interesse público.
Para a associação, “eventual legalidade acerca da prática de cobrança e canalização inflexível dos meios de acessos aos dados abertos, por intermédio de ação unilateral do Estado, viabilizará terreno fértil para a criação de verdadeiros oligopólios de dados estatais, na medida em que caberá, discricionariamente, a cada ente a definição de conveniência de cobrança”.
Outro trecho do manifesto diz ainda: “no que diz respeito aos princípios econômicos, a cobrança de valores destinada para fins meramente arrecadatórios, sem contrapartidas tangíveis à sociedade civil, vai na contramão das premissas do formato aberto dos dados públicos”.
Veja abaixo o manifesto na íntegra ou faça o download do documento neste link.
MANIFESTO PELO VETO PARCIAL DO PL 317/2021, que prevê cobrança pelo acesso a dados públicos por contrariedade ao interesse público.
A ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software vem respeitosamente solicitar o apoio dos órgãos do Poder Executivo em favor do veto parcial do PL 317/2021, que dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital e para o aumento da eficiência pública, com a supressão da redação contida no parágrafo terceiro do artigo 29 do PL, que lê:
“Art. 29. Os dados disponibilizados pelos prestadores de serviços públicos […].
- 3º É facultada aos prestadores de serviços e aos órgãos e entidades públicos que tenham por objeto a execução de serviços de tratamento de informações e o processamento de dados […] a cobrança de valor de utilização[…]”
No decorrer da última década obtivemos avanços significativos para a adoção de princípios e regras aplicáveis à interação entre o Estado, os cidadãos e o setor privado. A Lei Federal nº 12.527/2011, conhecida como lei de Acesso à Informação, preceitua que as informações referentes à atividade do Estado são públicas, exceto aquelas expressas na legislação. Referida Lei é a base para os pedidos de acesso a informações feitos por acadêmicos, cidadãos, profissionais, instituições de pesquisa e de cunho científico. É também a base utilizada por startups e empresas hoje já amadurecidas que propõem a utilização dos dados de forma atreladas a outros produtos e serviços decorrentes da hoje já bem estabelecida economia digital. Exemplos podem ser encontradas nos mais variados setores, a exemplo das LegalTechs, RegTechs, EdTechs, AgTechs e HealthTechs.
No campo do Governo Digital, o PL pretende trazer maior eficiência e celeridade dos serviços públicos, aprofundando a abertura de dados, inserida como princípio do Governo Digital:
Art. 3º São princípios e diretrizes do Governo Digital e da eficiência pública:
XIV – a interoperabilidade de sistemas e a promoção de dados abertos;
Vale ressaltar que o Plano de Dados Abertos (PDA) da CGU-Governo Federal previu a abertura de um total de 23 bases de dados até o final do ano de 2020, tendo tido um índice de cumprimento de 96% segundo a própria CGU[1].
O aprofundamento da política pública de abertura de dados públicos já instituída por instrumentos legais pré-existentes ao PL 317/2021 tem em seu bojo a intenção de reafirmar tal política pública, reconhecendo por outro lado a necessidade da administração pública de possuir melhor infraestrutura de acesso aos dados públicos e permitir a inovação.
No que diz respeito aos princípios econômicos, a cobrança de valores destinada para fins meramente arrecadatórios, sem contrapartidas tangíveis à sociedade civil, vai na contramão das premissas do formato aberto dos dados públicos. Ademais, considerando que a disponibilização dos dados geridos pela Administração advém de uma lógica de transparência na gestão pública, acesso à informação e demais objetivos expressamente previstos em nosso ordenamento, a restrição financeira que pretende impor no acesso aos dados oriundos de bases públicas causa uma ruptura no dever público de: i) ampla divulgação dos dados; ii) fornecimento de infraestrutura apta a seu acesso.
O inciso proposto impõe restrições àqueles que pretendem acessar os dados, invertendo a lógica e o próprio papel do Estado como possuidor da informação. Onerar os agentes privados significa criar barreira de entrada e desincentivos à inovação, à livre concorrência e à liberdade econômica, prezadas por tantos outros instrumentos jurídicos, em especial pela Lei 13.874/19, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
Eventual legalidade acerca da prática de cobrança e canalização inflexível dos meios de acessos aos dados abertos, por intermédio de ação unilateral do Estado, viabilizará terreno fértil para a criação de verdadeiros oligopólios de dados estatais, na medida em que caberá, discricionariamente, a cada ente a definição de conveniência de cobrança. Tal medida é diametralmente oposta à conceituação de dados abertos e que, invariavelmente, criará gargalos preambulares à atividade econômica privada relacionada ao tratamento de tais dados.
Como votos de estima e consideração, agradecemos a consideração dos argumentos expostos acima para o veto parcial do PL 317/2021, em especial do artigo 29, parágrafo 3º.
ABES
[1] https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/noticias/2020/10/cgu-abre-consulta-publica-sobre-abertura-de-bases-de-dados