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*Por Rafael Lacaz Amaral e Victor André Santos de Lima

No Brasil, seguindo a previsão do Acordo-TRIPs (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio), os programas de computador são protegidos por Direitos Autorais, um dos ramos da Propriedade Intelectual. Este regime de proteção está previsto no art. 2 da Lei de Software (Lei nº 9.609/1998) e no art. 7 da Lei de Direitos Autorais (Lei de 9.610/1998). Embora seja possível proteger softwares embarcados por patente, o presente artigo vai tecer uma breve análise sobre um direito que os autores e titulares de software protegidos por aquele regime têm, qual seja, o direito de fiscalização do aproveitamento econômico da obra autoral.

Atualmente diversos usuários aceitam contratos de licenciamento de software sem a devida leitura e atenção. Esta negligência é infelizmente uma falha que ocorre vastamente no mercado, inclusive dentro de empresas, o que pode vir a prejudicar especialmente os desenvolvedores e titulares dos softwares, uma vez que as suas soluções podem estar sendo utilizadas em não conformidade com o contrato, lesando, por conseguinte, seus direitos autorais e rendimentos.

O titular do software, aquele que detém os direitos patrimoniais sobre a obra, pode estabelecer regras de uso e acesso à licença do programa, limitando, por exemplo, os usuários e os computadores que podem acessar a licença, o perímetro de acesso, o uso simultâneo. A definição de limites, tanto em softwares SaaS quanto em on premises, pode ajudar o licenciante a auferir mais lucros com o licenciamento do software, garantindo que seu negócio possa crescer de forma saudável e com uma base sedimentada de clientes.

Contudo, o descaso dos usuários com os contratos de licenciamento gera inúmeros casos de não conformidade de software, esvaziando os rendimentos dos licenciantes e contaminando o mercado com práticas desleais. Não se trata de pirataria de software, que gera anualmente uma perda de receita elevada a diversos titulares, mas um tipo de violação contratual e de direito autoral, que também afeta expressivamente este setor.

Compartilhamento de login entre colaboradores e acessos simultâneos são situações corriqueiras que ocorrem no mercado, práticas que, inicialmente podem parecer inofensivas, mas deterioram os rendimentos dos desenvolvedores e das empresas de software. Para mitigar isto, o remédio é simples: contrato de licenciamento. Embora também possa ser visto como um problema, o contrato ainda é o melhor aliado do titular.

As empresas de software podem estabelecer regras claras de uso nos contratos de licenciamento e desenvolver tecnologias para limitar acessos em não conformidade, tal como um bloqueio quando o acesso não ocorrer no computador corretamente indicado, em um perímetro específico ou pelo mesmo usuário. Informações técnicas dos usuários também podem ser coletadas, em consonância com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), para que tomadas de decisão sejam assertivas. Fato é que cada software pode ter um sistema de segurança e gerenciamento das licenças personalizado, de modo a fiscalizar e assegurar a adequação do uso.

Além disso, o contrato pode estabelecer a possibilidade de auditorias colaborativas para aferir a utilização em conformidade do software pelo usuário/empresa, com o intuito de mapear usos excessivos e/ou sublicenciamento. Por mais que em um primeiro momento possa parecer evasivo, trata-se de um procedimento comum neste mercado, especialmente promovido por empresas de grande porte na área. Ou seja, existem possibilidades de limitações internas, isto é, técnicas, para garantir conformidade, assim como externas, como auditorias, e tudo isto com base no contrato de licenciamento.

Você, desenvolvedor ou responsável legal por uma empresa titular de software, consegue imaginar uma licença do seu programa de computador sendo utilizada por mais de um usuário determinado mesmo quando a licença é personalíssima, ou seja, não poderia ser compartilhada com terceiros? Se sim, então há um problema. Se Você não tem regras claras no contrato de licenciamento, isto deve ser revisto quanto antes, inclusive a implementação de possíveis soluções, tal como a criação de bloqueios técnicos e auditorias.

Lembra do direito de fiscalização mencionado no início do texto? Pois bem, trata-se de um direito fundamental previsto na Constituição Federal, art. 5, inciso XXVIII, alínea b – direito de fiscalização do aproveitamento da obra autoral. Como o programa de computador é uma obra autoral, tanto o desenvolvedor quanto a empresa titular do software podem usufruir deste direito e implementar quanto antes técnicas para recuperar receita perdida e mitigar acessos indevidos por meio de uma política de conformidade de software.

Contudo, não basta prever várias limitações confusas. Um contrato de licenciamento de software deve preservar os interesses do licenciante e, também, garantir a proteção dos usuários, que são seus clientes e a base do negócio. Importante consignar que, a depender da relação jurídica, o contrato pode ser submetido às regras do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece, dentre outros destaques, que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

O combate à pirataria de software continua, mas é uma guerra antiga com várias nuances. Mesmo que Você não sofra com pirataria, está pronto para esta batalha contra as outras formas de não conformidade do licenciamento?

*Rafael Lacaz Amaral. Advogado e Sócio da Kasznar Leonardos Advogados. Especializado em Contencioso Judicial em Propriedade Intelectual. Head do time de Contencioso Judicial, Antipirataria, Brand Protection e License Compliance.

*Victor André Santos de Lima, advogado e líder de equipe na Kasznar Leonardos Advogados. Atua com Antipirataria, Conformidade de Software, Direito Digital e Direito Autoral. Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia na UFRJ e Pós-graduando em Processo Civil na PUC-MG. Cofundador da LAPI-UFRJ e Membro do DEPIS.

Contato victor.lima@kasznarleonardos.com

Aviso: A opinião apresentada neste artigo é de responsabilidade de seu autor e não da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software

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