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 Manoel dos Santos, diretor jurídico da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software

Foi sancionada recentemente a lei nº 14.195/21, oriunda da MP 1.040/21 de autoria do Executivo, apregoada solenemente pelo Governo Federal como norma destinada a “modernizar o ambiente de negócios nacional” e contribuir para a “recuperação econômica pós-pandemia”, eis que contempla medidas cujos propósitos seriam trazer maior facilidade de se fazer negócios no Brasil e melhorar a posição que o País ocupa no ranking Doing Business .

Importante reconhecer alguns avanços nas direções almejadas , tais como as medidas tendo por objeto a facilitação para abertura de empresas, a proteção de acionistas minoritários, a facilitação do comércio exterior, a desburocratização empresarial, a transformação das empresas individuais de responsabilidade limitada em sociedades limitadas interpessoais, a elevação à categoria de estabelecimento, dos locais virtuais onde se exerce a atividade empresarial, a autorização para que sociedades anônimas emitam de ações ordinárias detentoras de voto plural, além da criação de uma nova espécie de título de crédito, denominada Nota Comercial, alternativa legal concedida às sociedades anônimas, limitadas e cooperativas para a captação pública ou privada de recursos no mercado, tanto para financiamento de projetos quanto para suprir necessidades de liquidez e/ou capital de giro.

Em direção totalmente inversa e estrategicamente embalado sob a auréola de benesse, o Executivo logrou aprovar a criação do SIRA – Sistema Integrado de Recuperação de Ativos, cuja gestão foi confiada – não por acaso – à PGFN – Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e que tem como confessado propósito, “facilitar a identificação e a localização de bens e de devedores”, bem como “a constrição e a alienação de ativos”, além de “conferir efetividade às decisões judiciais que visem à satisfação das obrigações de qualquer natureza, em âmbito nacional”.

Embora o SIRA possa vir a ser utilizado também pelos credores privados e possa repercutir em outras áreas, como a cível, a trabalhista e a recuperação de créditos, é nítido que o seu principal propósito se constitui em criar mecanismo de apoio para que União, Estados e Municípios impulsionem a cobrança dos créditos fiscais que se acumularam ao longo das últimas décadas, alimentados por um sistema tributário ao mesmo tempo oneroso, complexo, arcaico e burocrático.

De acordo com os dados da publicação Justiça em Números 2021 (ano-base 2020) , publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 36% do total de casos pendentes e 68% das execuções pendentes no Poder Judiciário. O montante dos créditos tributários em discussão atualmente ultrapassa R$ 6 trilhões .

De olho na arrecadação desses valores, o SIRA confere ao braço fiscal do poder executivo (a PGFN) “o poder de requisição das informações contidas em bancos de dados geridos por órgãos e por entidades públicos e privados”, conferindo aos administradores dessas bases, “prazo para o atendimento da requisição”. A norma sob comento consagrou a criação do Cadastro Positivo, visando garantir a previsibilidade das “ações da PGFN em face dos contribuintes inscritos no referido cadastro”. A PGFN poderá estabelecer convênios, com Estados, Municípios e DF para compartilhamento de informações do citado cadastro.

Existe a possibilidade de integração do SIRA com outros sistemas, como RENAJUD (interligação do Judiciário ao Denatran), o INFOJUD (solicitações feitas pelo Poder Judiciário à Receita Federal) e SISBAJUD, Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário, o qual tem como principal função estabelecer a comunicação entre este e as instituições financeiras, possibilitando a busca e o bloqueio de valores e ativos financeiros para o cumprimento de ordens judiciais em processos.

Outro ponto importante é a alteração na Lei 9.430, para autorizar uma espécie de terceirização da cobrança das dívidas tributárias, permitindo que PGFN contrate, serviços de terceiros para auxiliar sua atividade de cobrança, fixe os critérios para seleção das dívidas que serão objeto da terceirização, o valor e a forma de remuneração do contratado, que poderá ser ajustada por taxa de êxito, tal como se pratica em relação aos honorários advocatícios.

Além do fundado receio de que o novo sistema se transforme numa ferramenta à disposição da Fazenda Nacional para devassa de bens dos devedores e numa autorização velada para contornar preceitos fundamentais assegurado pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, tais como o respeito à privacidade e a inviolabilidade da intimidade, é fato que a criação do SIRA suscita temor de que esse sistema possa ser dirigido para fazer a constrição e a alienação de ativos pela via administrativa – e não pela via judicial – tornando ineficaz a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar ADIs 5.881, 5.932, 5.886, 5.890, 5.925 e 5.931, que proclamou que de que a Fazenda Pública pode averbar, mas não decretar a indisponibilidade de bens sem decisão judicial ou direito ao contraditório.

Em face dos riscos supra elencados, seria prudente que os contribuintes em geral – em especial do setor empresarial, que concentram a grande maioria dos contenciosos tributários – colocassem as barbas de molho e se preparassem para enfrentar as agruras decorrentes da implementação do SIRA.

1 O Projeto Doing Busines mede, analisa e compara os regulamentos aplicáveis às empresas e o seu cumprimento em 190 economias e cidades selecionadas nos níveis subnacional e regional.
Lançado em 2002, o projeto Doing Business examina as pequenas e médias empresas nacionais e analisa as regulamentações aplicadas a elas durante o seu ciclo de vida.
O índice de facilidade de fazer negócios foi criado em conjunto por Simeon Djankov , Michael Klein e Caralee McLiesh, três economistas líderes do Grupo Banco Mundial ( link consultado em 26/10/21, 22h20)

2 In “ORIENTADOR ABES – SETEMBRO/2021”, publicado pela ABES – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE SOFTWARE

CNJ

4 “Em 2019, antes mesmo do início da pandemia do Coronavírus, o contencioso tributário brasileiro, que representa todas as discussões de natureza tributária em andamento nas esferas administrativa e judicial, alcançava o patamar de R$ 5,4 trilhões, valor que equivale a 75% do Produto Interno Bruto (PIB) registrado naquele ano” (in “Contencioso Tributário”, JOTA, consulta em 26/10/2021, 23h34)

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