*Por Natália Marroni Borges
Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) tem se consolidado como uma das tecnologias mais impactantes, impulsionando inovações e transformações em diversas indústrias ao redor do mundo. Entretanto, adotar a IA de forma eficaz dentro das organizações é um desafio que vai além da implementação tecnológica. A história da IA, que remonta à década de 1950 com os primeiros experimentos de Alan Turing, revela a complexidade e a abrangência desse campo, que envolve, também, questões sociais, técnicas, legais, organizacionais.
O desafio atual para as empresas, especialmente no Brasil, reside em compreender que a IA não se trata apenas de uma tecnologia ou de um modelo estatístico isolado, mas sim de um processo abrangente e integrado. Um exemplo claro disso é o uso da IA generativa, que se destacou por sua acessibilidade ao público geral. Embora muitos usuários não possuam interesse ou conhecimento sobre os modelos complexos subjacentes a essa tecnologia, a utilizam por seu valor prático e pela capacidade de resolver problemas cotidianos.
Contudo, o sucesso na implementação da IA não depende apenas da tecnologia em si, mas também da forma como as empresas organizam suas estruturas, contratam e alocam profissionais especializados nessa área. Observa-se, atualmente, um movimento no mercado de trabalho onde as empresas buscam avidamente por especialistas em ciência de dados ou engenheiros de machine learning, acreditando que esses profissionais serão capazes de resolver todos os desafios relacionados à IA. Essa abordagem, no entanto, pode ser limitada e até contraproducente. Se por um lado esses profissionais são fundamentais para a estruturação dos modelos que são a base da IA, é possível que a visão mais ampla da IA fique comprometida.
Muitas organizações parecem estar focadas em contratar especialistas em ciência de dados ou machine learning, acreditando que esses profissionais serão capazes de resolver todos os desafios relacionados à IA. No entanto, a IA é um campo vasto que envolve desde o desenvolvimento de modelos até a integração desses modelos em processos empresariais complexos, passando pelo dimensionamento de todos os possíveis impactos disso. Um profissional especializado em análise de dados, por exemplo, pode ser extremamente competente em gerar insights valiosos a partir de grandes volumes de dados e conhecer profundamente um conjunto de modelos estatísticos complexos, mas, não necessariamente, terá a expertise para integrar essas soluções de forma eficaz nos sistemas existentes da empresa.
Além disso, há uma tendência preocupante de exigir uma ampla gama de habilidades de um único profissional, o que pode ser irrealista. Exigir que um engenheiro de IA generativa, por exemplo, possua também habilidades avançadas em pré-processamento de dados, engenharia de recursos e análise estatística, pode resultar em profissionais que, apesar de altamente qualificados, não conseguem focar naquilo que realmente importa para o sucesso do projeto de IA.
Esse desalinhamento entre a demanda do mercado e as habilidades realmente necessárias aos profissionais para que se projete o uso da IA pode representar um obstáculo significativo para o crescimento do tema no Brasil. Não basta desenvolver modelos avançados; é necessário garantir que esses modelos sejam aplicáveis e que gerem valor real para o negócio. Isso requer uma visão holística da IA, onde diferentes competências e especializações se complementam para alcançar resultados tangíveis.
Portanto, as empresas precisam revisitar suas estratégias de recrutamento de profissionais de IA, alinhando suas expectativas e exigências com as necessidades reais do negócio. É essencial compreender que a IA não é uma solução isolada, mas um conjunto de processos que, quando bem orquestrados, podem transformar significativamente a forma como as organizações operam e competem.
Além disso, à medida que a IA se torna mais central nas operações empresariais, emergem questões éticas que não podem ser ignoradas. A transparência nos algoritmos, a privacidade dos dados dos usuários e a responsabilidade pelas decisões automatizadas são apenas alguns dos desafios éticos que as organizações precisarão enfrentar. Abordar esses aspectos de forma proativa será necessários para a manutenção da confiança dos clientes e da sociedade em geral.
Por fim, olhando para o futuro, o mercado de IA no Brasil deve se preparar para uma demanda crescente por profissionais que possuam não apenas habilidades técnicas, mas também uma compreensão profunda do impacto estratégico da IA nos negócios. Aqueles que conseguem integrar a IA de forma eficaz em suas operações estarão na vanguarda da inovação, conduzindo suas organizações a novas fronteiras de eficiência e competitividade.
*Natália Marroni Borges é pesquisadora no Think Tank da ABES, Pesquisadora membro do grupo IEA Future Lab (vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS), Pós-doutoranda em Inteligência Artificial e Foresight e professora na UFRGS.
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