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*Por Daniella Caverni 

Introdução à Lei de Licitações 

A Lei nº 14.133/2021, Lei de Licitações, é a atual legislação que rege as regras para contrações públicas, no contexto brasileiro, é um conjunto de normas que regulamenta a contratação de obras, serviços, compras e alienações pela administração pública direta,  indireta e autárquica, em todos os níveis federativos (federal, estadual, municipal e do Distrito Federal). A principal finalidade da lei é garantir a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública, com transparência, igualdade de condições entre os participantes e a busca pelo melhor custo-benefício. 

A Lei nº 8.666/1993  vigorou até dezembro de 2023 (MP nº 1.167/2023). Atualmente, a regulação das licitações e contratações  públicas é feita pela Lei nº 14.133/2021 (Nova de Lei de Licitações e Contratos Administrativos). Importante aqui esclarecer que durante o período de transição – até dezembro de 2023 – o gestor público pôde optar por utilizar o regramento de qualquer uma das duas leis, mas não as combinar em um mesmo certame, ou seja, ao realizar um processo licitatório, aplicou uma norma ou a outra.  

Após esse período, tanto a Lei nº 8.666/93 quanto as demais legislações ligadas à licitação (do Pregão - Lei nº 10.520/02 - e do RDC – Art. 1º ao 47º-A da Lei nº 12.462/11) foram revogadas. No entanto, contratos firmados sob a vigência da antiga lei continuam regidos por ela até seu total encerramento. Temos ainda hoje muitos contratos sob a regulamentação da Lei nº 8.666/93. 

Os principais objetivos de uma licitação são: (i) assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto; (ii) assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição; (iii) evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos; e (iv) incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável. 

Essas normas visam evitar práticas de corrupção, favorecimento e conluio entre empresas concorrentes, assegurando que os recursos públicos sejam utilizados de forma eficiente e ética. A Lei de Licitações estabelece os procedimentos a serem seguidos em cada fase da contratação, desde a publicação do edital até a adjudicação do contrato. Além disso, define os tipos de licitação, critérios de julgamento das propostas, prazos e recursos disponíveis para os participantes do processo licitatório. 

O artigo 28 da Lei de Licitações define as modalidades de licitação, ou seja, as regras específicas de acordo com a natureza do objeto a ser contratado. São modalidades de licitação: 

  • concorrência: modalidade de licitação para contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia, cujo critério de julgamento poderá ser: a) menor preço; b) melhor técnica ou conteúdo artístico; c) técnica e preço; d) maior retorno econômico;
    e) maior desconto.
  • concurso: modalidade de licitação para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, cujo critério de julgamento será o de melhor técnica ou conteúdo artístico, e para concessão de prêmio ou remuneração ao vencedor;
  • diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos;
  • leilão: modalidade de licitação para alienação de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance;
  • pregão: modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto.

Além das modalidades acima referidas, poderá ser utilizado pela Administração os procedimentos auxiliares previstos no art. 78 da Lei de Licitações. 

Em casos específicos previstos na lei, a licitação pode ser: (i) inexigível (Lei nº 14.133/2021, Art. 74) ou (ii) dispensada – rol taxativo (Lei nº 14.133/2021, Art. 75) 

Não obstante a contratação de fornecedor ou prestador de serviços exclusivos possuir amparo legal, é cediço que muitos entes ainda encontram dificuldades para aplicar tal modalidade de contratação, já que não é raro tais acordos serem discutidos pelos órgãos de controle, tais como os Tribunais de Contas, que muitas vezes reconhecem imperfeições ou até mesmo ilegalidades cometidas por agentes públicos quando da utilização de tal modalidade.

Ao olhar para este tema, este artigo tem como finalidade estudar este instituto de forma mais detalhada para que tanto o agente público quanto a empresa privada possam sentir uma maior segurança jurídica quando o processo licitatório for de fato inexigível. 

Inexigibilidade de Licitação – O que é?  

Esta forma de licitação está hoje ampara no artigo 74 da Lei de Licitações e diz que a licitação é inexigível quando a competição for inviável e especificamente quando: (i) a aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos; (ii) a contratação de profissional do setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública; (iii) a contratação de alguns serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; (iv) objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento e (v) a aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha. 

Tem-se aqui, portanto que, não é necessária a realização de um processo licitatório para a contratação de determinado serviço ou aquisição de determinado produto quando a natureza do objeto a ser contratado é específica e a escolha de um fornecedor ou prestador de serviço também é singular, o que torna impossível a competição. 

Em outras palavras, a inexigibilidade ocorre quando existe uma situação em que a contratação de um determinado fornecedor ou prestador de serviço é justificada por sua singularidade, especialização ou pela inviabilidade de concorrência. Por exemplo, contratar um software exclusivo cujas funcionalidades atendam de forma única as necessidades da administração pública ou, depois de implantado, contratar os serviços de suporte e manutenção deste software. 

A inexistência de uma pluralidade de indivíduos aptos a se candidatarem ao contrato pretendido pela Administração faz surgir a mais clássica forma de inviabilidade de competição. No entanto, importante ter-se claro que ser “único” é diferente de ser “exclusivo”. Quando o fornecedor é único isso significa que algo é o único de seu tipo ou que há apenas uma instância ou exemplar daquilo e, por outro lado, quando ele é exclusivo refere-se a algo que está disponível ou é reservado para uma única pessoa ou grupo, excluindo todos os outros. 

Temos como consequência que, conforme exemplo acima trazido, é dever do agente público, quando da contratação por meio de inexigibilidade demonstrar que a solução técnica escolhida é, de fato, a única ou a exclusiva capaz de atender as necessidades da Administração Pública, devendo, no termo de referência ou processo administrativo estar completamente claro que não há no mercado outra solução com as mesmas características, módulos, funcionalidades, similares àquela pretendida para a contratação. 

Da Comprovação da Exclusividade 

Antes de entrarmos no mérito de como o legislador pautou a forma de comprovação que justificará a inviabilidade de competição, importante aqui tecermos a obrigação que cabe ao órgão público de justificar tecnicamente a necessidade de aquisição de determinado produto ou serviço. 

Ao buscar adquirir uma solução tecnológica, seja ela um software, um hardware ou mesmo até um serviço, o órgão público deve efetuar um estudo técnico detalhado que demonstre ao mercado porque aquela solução é única face as suas necessidades. Aqui reside a grande discussão jurídica sobre o tema da contratação por meio de exclusividade, sendo que não é raro, nos depararmos com discussões junto aos Tribunais de Contas que, muitas vezes, reconhecem imperfeições e até mesmo ilegalidades quando das contratações. 

Justificada e comprovada tecnicamente a necessidade e exclusividade de atendimento pela solução, o artigo 74, §1º da Lei de Licitações dispõe: 

“Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo, a Administração deverá demonstrar a inviabilidade de competição mediante atestado de exclusividadecontrato de exclusividade, declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos, vedada a preferência por marca específica.” 

O principal documento utilizado nesta modalidade de licitação é o atestado de exclusividade (ou certificado de exclusividade) que é o documento jurídico apto a atestar a exclusividade de representação de produtos e serviços perante órgãos públicos. Este é o documento que justifica que aquele produto ou serviço não possui concorrente, logo, o processo licitatório por um formato divergente da inexigibilidade se torna inviável. Quem emite estes atestados? 

Não obstante a nova Lei de Licitações não trazer quem são os agentes responsáveis por emitir o atestado de exclusividade mantem-se a prática de que tal documento deve ser emitido por Sindicato, Federação, Confederação Patronal ou, ainda, pelas entidades equivalentes, ou seja, entidades que são reconhecidas como idôneas para a emissão de tais documentos. No caso de empresas de tecnologia, a ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software, entre outras, emite tais certificados desde que a empresa requerente cumpra com uma série de exigências e apresente todos os documentos necessários. Não é nada incomum vermos em processos licitatórios o pedido de uma certidão/atestado de determinado ente o que, garante ao poder público a idoneidade do documento. 

Isto porque, o Tribunal de Contas da União há muito vem demonstrando preocupação com o teor dos atestados de exclusividade que instruem os processos de adjudicação direta por inexigibilidade de licitação, tanto que já sumulou orientação aos órgãos jurisdicionados no sentido de se cercarem de cuidados no recebimento de documentos dessa natureza. Eis o verbete: 

SÚMULA 255-TCU Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente público responsável pela contratação a adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade. 

A preocupação da Corte Federal de Contas é justamente em razão da natureza do atestado, assim como ser o ente emitente idôneo, com processos claros e juridicamente rastreáveis para permitir comprovar realmente a exclusividade do software, hardware ou serviços.  

A legislação trouxe ainda a possibilidade de comprovação da exclusividade por outros meios: contrato de exclusividade, declaração do fabricante ou outro documento idôneo, os quais são muito menos usuais porque, em nosso entendimento são revestidos de menor segurança jurídica ao ente público. No entanto, ainda assim, são instrumentos legalmente possíveis de serem utilizados. 

Conclusão 

Diante do aqui apresentado, a contratação direta por inexigibilidade é um instrumento que permite ao Poder Público escolher a solução tecnológica que melhor atenda as suas necessidades a qual, sendo única e exclusiva, poderá ser contratada diretamente desde que: 

  1. a escolha da solução tecnológica atenda as necessidades do órgão público, este tenha feito um estudo técnico detalhado e, realmente, a empresa detentora da solução seja a única capaz de atender a todos os requisitos pretendidos, ou seja, haja exclusividade na provisão dos produtos e/ou serviços.
  2. que a exclusividade seja atestada por uma entidade idônea e reconhecida pela Administração Pública, sendo que ao receber os atestados/certidões os entes públicos, se o caso, possam confirmar a sua veracidade.

Assim, em que pese ser um instrumento jurídico apto e muito importante para permitir contratações específicas pela Administração Pública, a celebração deste acordo precisa necessariamente seguir rigoroso processo de avaliação de mercado, ou seja, preços compatíveis e praticados pela empresa, além das comprovações técnicas, metodológicas, competências, capacidades e know-how únicos. Feito isso, a contratação por inexigibilidade de licitação será sempre um bom instrumento de contratação disponível para o Poder Público. 

*Daniella Caverni é advogada, sócia do EFCAN Advogados e Líder do Grupo de Trabalho Proteção de Dados da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES)

Aviso: A opinião apresentada neste artigo é de responsabilidade de seu autor e não da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software

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