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*Por Marcelo Batista Nery e Jamile Sabatini Marques

Fomos tomados por uma grande tristeza. Acreditamos que todos já experimentaram isso. No entanto, essa tristeza é proveniente de um trabalho bem-feito e, nesta circunstância, vale a pena registrar o motivo.

Em meados de junho ocorreu um evento organizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), Centro de Síntese USP Cidades Globais (CS-USPCG-IEA) e Programa de Pós-Graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Uninove, com apoio da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES). Esse evento celebrou um ano de parceria entre e NEV-USP e CS-USPCG-IEA e apresentou os resultados obtidos no período.

O evento intitulado “Resiliência Urbana: Enfrentando Desafios Climáticos e Protegendo a Juventude” destacou o principal produto da parceria, uma resposta à convocação do Ministério das Relações Exteriores para fornecimento de subsídios à manifestação do Estado brasileiro referente ao parecer consultivo sobre “Emergência Climática e Direitos Humanos”, solicitado por Chile e Colômbia à Corte Interamericana de Direitos Humanos. O documento elaborado buscou evidenciar medidas que os Estados devem implementar para minimizar os danos às crianças e adolescentes no contexto de crises ambientais e humanitárias.

A resposta ressalta a importância de proteger e promover o bem-estar das crianças em situações de emergências envolvendo múltiplas vítimas. Prioriza-se a segurança e o cuidado das populações vulneráveis, especialmente jovens em famílias de baixa renda e grupos étnicos minoritários. Recomenda-se uma abordagem integrada na gestão de riscos climáticos, com acesso a guias e protocolos de atuação. Além disso, destaca-se a necessidade de promover a resiliência e o protagonismo infantil, implementar medidas especializadas de atendimento pós-desastre e garantir o respeito aos direitos humanos em todas as fases da gestão de crises. A cooperação entre Estados e instituições também se mostra essencial para proteger as crianças em contextos adversos, pois a crise climática interage com as desigualdades sociais e seus efeitos são distribuídos de forma desigual.

Durante o evento, foram destacados diversos temas relativos à questão brasileira. Inicialmente, discutiu-se a recorrência de desastres ambientais, evidenciando lacunas na preparação e na mitigação destes desastres. Foi enfatizado o impacto emocional e psicológico das crianças, que inclui ansiedade, dificuldades de aprendizado e ideação suicida. Ainda foi abordado como as catástrofes afetam a saúde mental, frequentemente resultando em traumas como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Em virtude disso, tratou-se da desorganização em abrigos e da necessidade de treinamentos adequados para voluntários. Afinal, ressaltou-se a urgência de investimentos em prevenção e programas de saúde coletiva para evitar o adoecimento de crianças e adolescentes.

O tópico seguinte explorou os impactos das mudanças climáticas nas periferias. Destaca-se como a vulnerabilidade a esses impactos influencia negativamente o desenvolvimento e a saúde mental dos jovens, exacerbada pela falta de acesso a direitos básicos como água e saneamento, particularmente durante o período de calamidade pública. De fato, mortes de crianças decorrem de causas evitáveis. Relatórios da OMS e Unicef reforçam que os jovens são desproporcionalmente afetados por enfermidades e ameaças relacionadas ao clima, sublinhando a urgência de justiça climática e inclusão destes jovens nas soluções. Esta constatação ressalta a seriedade de ações efetivas para proteger as gerações futuras.

Por fim, abordou-se a importância da educação preventiva. Após o grande desastre no Sul do Brasil (enchentes por chuvas extremas), destaca-se a solidariedade e a necessidade de preparar as crianças e adolescentes para situações emergenciais. O projeto “Olimpíadas do Conhecimento em Desastres Naturais”, realizado na Baixada Santista em colaboração com defesas civis, exemplifica essa preparação solidária. O programa educa estudantes sobre deslizamentos, inundações e outros tipos de fenômenos causadores de perigos ambientais, incentivando o aprendizado ativo e a participação comunitária. Além de promover o monitoramento participativo em áreas de risco, prepara os jovens para identificar e relatar problemas, fortalecendo sua capacidade de demandar ações apropriadas das autoridades locais.

No contexto das cidades inteligentes, torna-se imperativo que os Estados adotem medidas eficazes para mitigar os danos causados pela emergência climática. Isso envolve não apenas abordar as desigualdades socioambientais, mas também garantir a segurança pública de maneira abrangente. Iniciativas como mapeamento participativo são essenciais para identificar áreas de risco e permitir que comunidades vulneráveis tenham voz ativa nas decisões que as afetam. A colaboração com universidades e outras entidades acadêmicas, bem como organizações e associações, é fundamental para desenvolver respostas adequadas e sensíveis às necessidades locais. É crucial integrar as metas e indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU nas políticas públicas, assegurando uma abordagem coordenada entre diferentes setores. A educação infantil sobre prevenção, em sentido amplo, deve ser uma prioridade, capacitando-as para serem agentes de mudança em suas comunidades. O envolvimento contínuo da população no planejamento urbano garante que as soluções sejam sustentáveis e eficazes a longo prazo.

Para proteger crianças e adolescentes é fundamental contar com o suporte de atores-chave da comunidade, como educadores, policiais e profissionais de saúde, que desempenham um papel relevante na orientação e na promoção da coesão social. Estabelecer canais eficazes para notificação de violência e avaliação de riscos é necessário para garantir que informações fluam adequadamente e que o bem-estar físico, mental e emocional seja priorizado. Construir redes sociais eficazes e fomentar a autonomia precoce são passos fundamentais para preparação para emergências, salvaguardando a possibilidade surpresas e desespero. Portanto, é primordial questionar a real preparação das cidades para adaptar-se às mudanças climáticas, reduzir a vulnerabilidade urbana e prevenir desastres.

Além de que a tecnologia pode ser útil por meio de várias iniciativas. Sensores e IoT monitoram riscos em tempo real, enquanto aplicativos de mapeamento participativo dão voz às comunidades. Plataformas educacionais e cursos online ensinam crianças sobre prevenção de desastres. Simulações de cenários e realidade aumentada auxiliam no entendimento e prevenção dos problemas ambientais e no planejamento urbano. Ferramentas de comunicação promovem a colaboração entre comunidades e governos. Big Data e IA analisam dados climáticos e sociais para orientar políticas e práticas futuras.

Em suma, conclui-se que para mitigar o sofrimento durante emergências climáticas e crises humanitárias, é imprescindível implementar medidas preventivas, inovações e políticas públicas que promovam a equidade e respeitem os direitos humanos. A vulnerabilidade de grupos específicos deve ser cuidadosamente considerada, levando em conta fatores como renda, etnia e história. É importante que as políticas estruturadas abordem tanto os impactos globais das mudanças climáticas quanto as particularidades locais, fortalecendo a resiliência e a segurança das comunidades. Distinguir claramente entre assistência social e segurança pública é indispensável, especialmente em contextos de emergência onde crises podem agravar situações de violência como crimes urbanos e violência sexual, ressaltando a gravidade de planos de contingência bem planejados.

E assim, a tristeza se faz presente. Sentimos a responsabilidade do momento atual e temos a certeza de que, com base em todo o conhecimento disponível, muito poderia ser feito para evitar dor e sofrimento desnecessários. É lamentável constatar que, apesar do vasto entendimento sobre os impactos das mudanças climáticas, há precário avanço efetivo. Sabemos que preparação, inclusão, educação, participação, tecnologias e políticas públicas conhecidas, fundamentadas em equidade e prevenção, têm o potencial de transformar realidades, principalmente para jovens em situações vulneráveis. Contudo, a falta de ação coordenada e colaborativa perpetua desigualdades, deixando comunidades inteiras expostas a riscos que poderiam ser evitados. A carência de programas de contingência e de redes de apoio social revela uma preocupante negligência, demonstrando que há capacidade para melhorar condições sociais e salvar vidas, mas que esta potencialidade ainda não é aproveitada.

*Marcelo Batista Nery é pesquisador no Think Tank da ABES e na Cátedra Oscar Sala do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP), coordenador de Transferência de Tecnologia e Head do Centro Colaborador da OPAS/OMS (BRA-61) do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. 

*Jamile Sabatini Marques é  Diretora de Inovação de Fomento da ABES

Aviso: A opinião apresentada neste artigo é de responsabilidade de seu autor e não da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software

 

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