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*Por Matheus Marques Borges

É verdade que a sensação da comunidade empresarial, quando da eminência da publicação de um novo diploma legal a fim de regular determinada atividade, volta-se naturalmente aos entraves burocráticos capazes de frear e obstar a chancela de negócios. A sina é agravada quando o objeto da regulamentação concerne um ecossistema tão disruptivo, ágil e volátil como o das startups.

Nessa seara, sob a ótica da generalidade legislativa, a regulamentação, sobretudo quando atinente a esfera privada, não tende a ser vantajosa do ponto de vista do empreendedorismo. No entanto, contrariando esse rudimento, surge a Lei Complementar nº 182/2021, que visou desburocratizar processos e deslocar o Estado da posição de protagonismo do manejo das frentes negociais do referido meio, para uma posição de ensejador de fomento.
O aludido ordenamento trouxe uma série de proposições que, efetivamente, visaram o aprimoramento do ambiente de negócios no país, entre elas, a institucionalização do investimento-anjo, do sandbox regulatório e do investimento acelerador de empresas, assim como uma série de definições que, até então, fundava-se exclusivamente no discernimento doutrinal e jurisprudencial.

Entre as definições trazidas, a própria cognição da semântica do business de startup, que possuía seu estereótipo fundado exclusivamente na própria autodeclaração, e, a partir do novo ordenamento, os requisitos passaram a ser taxativos. Nesse viés, a partir da vigência da aludida legislação, para que as empresas usufruam de tal denominação devem ter possuído receita bruta de até R$ 16 milhões no exercício social anterior e possuir CNPJ de até dez anos.

Possivelmente, há quem diga que a inclusão de tais requisitos tenha condão de afunilar e propiciar a exclusão de determinadas companhias, no que toca à referida roupagem. A verdade é que os requisitos são genéricos, com grande amplitude, tendo sua instituição efetivamente imperiosa, já que a legislação traz benefícios para o referido cerne, de modo que, se não fossem previstos, qualquer companhia, independentemente de seu porte ou faturamento, poderia assim usufruir dela.Além disso, endossando a frente da seguridade legal, a legislação também acertou ao ratificar a necessidade de limitação de responsabilidade do investidor-anjo, que não poderá responder por dívidas do negócio, nem tampouco, ao menos ordinariamente, ser o norte de eventual desconsideração da personalidade jurídica da companhia. Positivou, deixando cristalino, institutos de investimento como o contrato de mútuo conversível em participação societária.

Embora essas últimas já fossem utilizadas massivamente na rotina do meio, e estivessem dispostas em outras legislações, como é o caso do afastamento da desconsideração da personalidade jurídica, que já possuía previsão na Lei da Liberdade Econômica, elas foram reafirmadas com a expectativa de serem em definitivo espairecidas – sobretudo, em sede de jurisdição trabalhista, ignorando o referido instituto da desconsideração. Além disso, ratificou o regime especial denominado Inova Simples, que, por questões provavelmente orçamentárias, ainda não tenha sido estreado em âmbito do portal REDESIM. Além da desburocratização de certos trâmites, o propósito é conceder às startups tratamento diferenciado com objetivo de fomentar a formalização e a consolidação no mercado.

No mesmo cenário, com foco na desburocratização, estampou-se a antiga vontade de trazer como possibilidade às Sociedades Anônimas o manejo digital dos livros exigidos pela Lei 6404/76, neste primeiro momento, ainda limitado à gama de empresas com faturamento de até R$78 milhões. Ainda, para esse mesmo tipo empresarial, mas com faturamento de até R$500 milhões, a possibilidade da Comissão de Valores Mobiliários flexibilizar as regras para oferta pública, com a maleabilidade dos regramentos para registro, prestação de informação e outros. Desde já, resta grande expectativa de ação proativa por parte da Comissão nesse sentido.

Destoam dessa euforia os vetos ocorridos nos dispositivos que previam a diminuição de alíquotas anteriormente previstas no texto original, subsistindo como ponto benéfico do ponto de vista fiscal a utilização da lógica de portfólio para investimentos, utilizada em fundos, que viabiliza a compensação fiscal por pessoa física quando há investimento em mais de um negócio de startup, possuindo como aferição do recolhimento de tributos o resultado efetivamente líquido auferido pela pluralidade de investimentos no meio.

Nessa mesma esteira, são indiscutíveis as vantagens incorridas às empresas, geralmente de grande porte que, por possuírem certos benefícios fiscais, possuem como contrapartida investimentos percentuais do faturamento em pesquisa e desenvolvimento e, agora, gozam da prerrogativa de canalizar parte desse investimento em Fundos de Investimentos em Participações que invistam em startups. Assim, é inevitável a emersão de forte expectativa de destravamento de grande capital, sobretudo na modalidade de corporate venture capital por tal razão.

Ainda é relevante destacar a institucionalização do instrumento do “Sandbox Regulatório” – ou “ambiente regulatório experimental” – que remete à ideia de criar “caixas de areia” para isolar modelos inovadores da “regulação tradicional”, propiciando a criação de regramentos e condições especiais simplificadas para que as empresas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial, a fim de desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais por meio do procedimento facilitado. Em outras palavras, existe a possibilidade de empresas fazerem experimentações em ambiente regulado e controlado para determinado público. Mais do que isso, há a possibilidade de órgãos conjuntamente realizarem sandboxes ou, a título de exemplo, do BACEN se unir com a SUSEP e a CVM, entidades que, por suas próprias essências, possuem farto rol regulatório, com escopo a regimentar sandboxes para fintechs.
Ainda que válidas, há leis que definitivamente não pegam ou, então, mesmo vigentes, simplesmente não são aplicadas na prática. Uma contradição por si só, eis que acoplada a elas estão comandos obrigatórios e cogentes. Fato inequívoco é que ordenamentos como a Lei Complementar nº 182/2021, que trouxeram o Marco Legal das Startups, devem trazer excelentes benefícios para o traquejo do Direito Empresarial, pois revigoram e fomentam o mercado das startups. Resta aqui o desafio educacional e informacional, a fim de disseminar e traduzir as diretrizes e ideias do regulamento a todo o ecossistema corporativo.

*Matheus Marques Borges é Coordenador Jurídico da NTT DATA Business Solutions. É especialista em Direito Tributário e Direito Empresarial.

Aviso: A opinião apresentada neste artigo é de responsabilidade de seu autor e não da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software

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