Leis da época de Marconi ainda insistem em reger a sociedade em nuvem
É bem verdade que a nação tem sido palco de perturbações decorrentes da aplicação inadequada de velhos fundamentos legais. Exemplo disto sãos as sucessivas paralisações do WhatsApp por iniciativa de autoridades, talvez muito pouco inteiradas sobre as sutilezas e contradições da realidade digital. Sobram por aí atores públicos que, por bem intencionados, não atentaram ainda para a necessidade de um novo olhar sobre aplicação da Lei no atual contexto em que o espaço da cidadania não é mais o que vigorou até a universalização da Internet e a explosão das redes sociais.
Mas é até em função de episódios desse tipo que cresce a ansiedade de amplos setores para que o Congresso Nacional coloque em pauta o Projeto de Lei 5.276/2016, livrando a sociedade dessa espécie de limbo regulatório, em que a existência social no âmbito da "terceira plataforma" continua a receber um enquadramento institucional da era do rádio de Marconi.
Estamos todos cientes do ambiente de conflagração e crise de liderança das casas legislativas, mas o País não pode mais viver sob este regime de insegurança (ou obscuridade) jurídica no que tange à existência e à integridade digital dos cidadãos, instituições e empresas.
É esta a impaciência que vem movendo também os setores organizados da indústria de produtos e serviços na Internet brasileira, tal como ficou expresso no recente Manifesto em defesa de uma autoridade independente para a proteção de dados pessoais, um documento assinado pela Abes, Abranet, Brasscom e Assespro, e cujo conteúdo é agora integralmente endossado pela diretoria da Abrahosting.
É urgente a definição deste órgão independente, composto por representantes de todas as partes envolvidas no ecossistema da Internet, mas, o mais possível, livre das ingerências do lobby governamental ou do interesse político transitório. Um órgão multidisciplinar, devidamente regulado pela autoridade constitucional, mas com visão abrangente para responder de forma equilibrada pela interpretação, fiscalização e cumprimento das complicadas diretrizes da Lei em cujo escopo se entrelaçam questões que vão do direito individual ao direito público e ao direito internacional, bem como da bioética à ética concorrencial e à defesa da pessoa contra o poderio abusivo do Estado.
Por sorte (ou por virtude da existência de uma comunidade digital extremamente disposta à discussão desses temas), o Brasil chegou ao já mencionado projeto de Lei cuja qualidade, sem dúvida, coloca o nosso País num patamar de solução para a proteção de dados somente comparado à União Europeia.
Uma rápida comparação entre o disposto no PL 5.276 e as diretrizes da GPDL (ou Lei de Regulação Geral de Proteção de Dados da União Europeia) é suficiente para demonstrar o quanto o Brasil avançou na formulação do nosso modelo e quão importante ele é para que a proteção de dados no País se afirme em bases democráticas e mercadológicas consistentes com a de uma rede planetária que está a exigir um arcabouço legal capaz de enfrentar as verdadeiras questões da nova sociedade.
Assim, um ponto em que precisamos nos fixar de forma obsessiva em 2017, é na insistência para que o Congresso Nacional assuma o mais rápido possível suas responsabilidades no sentido de votar a PL em questão e considerando cuidadosamente as contribuições da indústria, do meio acadêmico, das organizações e de representações democráticas dos três poderes da república para a promulgação da Lei.
E que num fórum dessa amplitude se possa constituir já nos próximos meses o Conselho Nacional de Proteção de Dados, nos moldes do EDA (European Data Protection Board), para que ele possa funcionar como superestrutura institucional na fundação do órgão independente para a regulação da coleta, uso, armazenamento, troca e transferência de dados de pessoas e empresas, incluindo-se aí informações de caráter tão diverso quanto aquelas afeitas à propriedade intelectual e aos indícios étnicos, biométricos e ideológicos das pessoas.