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Por Rodrigo Fragola, diretor adjunto de Defesa da ASSESPRO-DF e Presidente da Aker

 

A expressão "paraíso cibernético" ainda não está indexada nos dicionários e enciclopédias eletrônicas, mas seu uso vai se consolidando nas reuniões do setor de segurança da informação.  Seu significado ainda carece de algum rigor, mas a compreensão do conceito, em linhas gerais, se torna fácil quando o associamos à ideia dos paraísos fiscais, já conhecida de todos.
 
De fato, há entre as duas expressões uma similaridade clara. Vejamos o que motiva a existência de uma e de outra. O que leva uma nação a se tornar um paraíso fiscal é o interesse em atrair para si uma parte do capital global através de dois atrativos básicos: o primeiro é a oferta de uma depreciação de taxas governamentais sobre o capital, algo que os técnicos financeiros classificam como "dumping tributário". O outro atrativo fatal é o sigilo total que esses refúgios oferecem quanto ao proprietário dos valores ali depositados, incluindo-se aí a possibilidade de criar empresas offshore praticamente anônimas em sua composição.
 
A motivação para que um País decida se posicionar como um paraíso cibernético pode envolver complexas questões de ordem econômica e geopolítica, mas uma das principais é, sem dúvida, o interesse estratégico em transformar seu território em polo privilegiado para a instalação de data centers, fábricas de softwares, empresas globais de e-commerce e todo o tipo de investimentos da economia web.
 
Tal como o paraíso fiscal, o paraíso cibernético oferece ao operador de negócios digitais uma excelente trincheira para se defender contra as legislações "incômodas". Enquanto o refúgio fiscal provê o chamado dumping tributário, o paraíso cibernético oferece um verdadeiro apagão legal, livrando os proprietários de sites e negócios do mundo digital de terem de se curvar diante de restrições, muitas vezes, consideradas maléficas aos negócios. A outra oferta irresistível, no âmbito do refúgio digital, é o ponto extremo desse referido apagão: trata-se do anonimato garantido para ações praticadas na web, o que reforça as salvaguardas antijudiciais que estão no espírito da coisa.
 
Descritas dessa maneira, essas duas visões do paraíso (a fiscal e a cibernética), já chegam a suscitar sérias dúvidas sobre as janelas de oportunidade que ambas abrem para o crime ou para práticas desleais nos negócios.
 
Para uma e para outra, porém, há também argumentos favoráveis que, no caso dos paraísos fiscais estão frequentemente associados à liberdade individual, ao "sagrado" direito de autoproteção da propriedade e da privacidade financeira, bem como ao direito "legítimo" que o capital privado tem de se proteger diante da voracidade tributária do Estado.
 
No caso dos paraísos cibernéticos, eles são quase sempre justificados por razões de soberania e desenvolvimento dos países.  As ilhas Maurício, por exemplo, um pequeno país da África com a economia ancorada na cana, turismo e tabaco, iniciou há uma década, um trabalho de atração de empresas do mundo digital a partir da oferta de benefícios fiscais agressivos associados a uma legislação bastante liberal. Com isto, o país conseguiu alguns saltos importantes que, ao final, contribuíram para que as Ilhas Mauricio tenham hoje um dos melhores IDHs da África.
 
Para os paraísos cibernéticos, outro argumento favorável está no serviço que prestam à luta pela liberdade de internet por parte de cidadãos que vivem sob ditaduras e usam estes refúgios como locais protegidos para uma militância que, afinal, é vista com muito bons olhos pela comunidade global de índole democrática.
 
Entretanto, verdade seja dita, a existência de paraísos cibernéticos é uma ameaça à segurança global muito mais significativa do que os paraísos financeiros o são para a economia. Primeiro, porque o mundo financeiro já aprendeu a manter seus paraísos em limites tidos como operacionalmente razoáveis. Exemplos recentes, aliás, atestam que o anonimato dos paraísos fiscais vem sendo frequentemente quebrado quando há indícios suficientes de uma lista de crimes hediondos envolvendo as contas offshore.
 
Mas quanto ao paraíso cibernético, a situação prossegue – ao menos aparentemente – sem qualquer sinal de controle. E não são apenas terroristas, gangues do crime organizado, pedófilos ou traficantes que se classificam entre as ameaças ancoradas nesses biombos extra lei.
 
Há casos de milhares de empresas de e-commerce que transferem para tais locais a sua base institucional e assim se livram de inconvenientes, por exemplo, como o código brasileiro do consumidor e ou as normas de proteção mais avançadas dos dados individuais contra o abuso de práticas invasivas de e-marketing e comercialização de cadastros. 
 
Os desafios de enfrentar estas contradições do direito ainda estão longe de serem resolvidos, e a prova disto é a lentidão com que o ainda reduzido número de nações adere à Convenção sobre os Crimes Cibernéticos de 2001 (também conhecida como Convenção de Budapeste), embora seja este o mais antigo e mais disseminado marco legal sobre o assunto.
 
A situação nos leva a pensar naquela espécie de limbo a que nos remete  a sobreposição por camadas da grande rede global, na qual a internet que usamos no dia a dia é apenas a "surface web", o que dá ensejo à existência de uma "Internet profunda", um espaço não rigorosamente indexado e quase fora de controle legal. Tal como acontece com a "deep web", contra a qual há pouca coisa a se fazer, a existência dos paraísos cibernéticos vai sendo assimilada como um dado da realidade.  Uma realidade "natural", com a qual as pessoas, os Estados Nacionais e as Empresas precisarão conviver utilizando, se precisarem, os instrumentos de legítima defesa que estiverem ao seu alcance.
 
Entre tais instrumentos, muitas vezes, observa-se a aplicação do velho preceito de justiça do talião ("olho por olho dente por dente"). Em tempos recentes, um provedor da Malásia se recusou a revelar a identidade de criminosos que mantinham um site racista e faziam ameaças de morte contra estudantes cotistas de Brasília. Sem apoio das instituições daquele país, a Polícia Federal Brasileira teve acesso a grampos realizados em roteadores internacionais que a levaram à rápida identificação e prisão dos envolvidos.  Teria sido esta uma investigação ancorada pelo direito internacional? Bem, o que sabemos a respeito é que a Justiça da Malásia – ou o seu governo central – não emitiu qualquer tipo de protesto.
 
Há casos, porém, em que a situação é mais difícil. A partir de um site em Tokelau, uma ilha da Polinésia, estelionatários brasileiros clonaram o portal do Tribunal de Justiça do RS e enviaram mensagens para milhares de viúvas pensionistas com a cobrança de falsas taxas. Por usar a Internet profunda para controlar suas operações (e, portanto, sem deixar as digitais do seu IP de acesso ao site) tais criminosos permanecem não identificados e a única medida possível é a protetiva, pelo menos até a feitura deste artigo.
 
É possível que os paraísos cibernéticos só tenham seu pleno controle, em bases razoáveis,a partir do acirramento da chamada guerra digital e de um maior empenho das grandes potências em impor uma normativa global que impeça o anonimato de criminosos e dê celeridade às investigações, em se tratando de delitos praticados no ciberespaço.
 
Enquanto isto não acontece, um bom conselho para o cidadão é o cuidado máximo ao estabelecer transações digitais com marcas e remetentes de desconhecidos. Verificar a origem dos sites (inclusive com pesquisa no buscador) é um cuidado essencial. Outra medida de cautela – esta bem mais difícil de seguir – é ler com a máxima atenção os termos de adesão a serviços digitais, sejam eles pagos ou gratuitos. Ao clicar "aceito" ou "avance", sem a chata leitura desses termos, o usuário está, muitas vezes, autorizando que seus dados cadastrais se tornem públicos, ou passem a integrar, gentilmente, o acervo de informações que este site irá vender ou utilizar mediante, exclusivamente, os marcos legais do país de hospedagem, não raro um paraíso fiscal.
 

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